ARTIGOS
POR JAYME EDUARDO MACHADO*
Afoto de capa da ZH de quinta-feira, pintada com as cores da confraternização, mostra muito mais do que quis mostrar, e nós enxergamos muito mais do que seu autor imaginou nos pudesse comunicar. Tal como naquela imagem prosaica do copo pelo meio, em que tanto podemos vê-lo pela perspectiva otimista do “quase cheio” quanto pelo oposto “quase vazio”, nem o silêncio da Marselhesa nem o barulho dos “anti-Copa” conseguem obscurecer o brilho que se expande daquele caleidoscópio humano num “até a pé nós iremos” – perdoem-nos, irmãos colorados –, todos em perfeita harmonia rumo ao templo de nossa paixão nacional, o estádio de futebol – que aliás, para compensar, no destino daquele povo, é o de vocês, colorados. O grande escritor e ensaísta italiano Humberto Eco destacou, na sua Viagem na Irrealidade Cotidiana, que há uma zona profunda da sensibilidade coletiva que ninguém, por convicção ou por cálculo demagógico, consentiria em destruir: o estádio de futebol.
Então, como extrair uma “verdade” em torno da Copa brasileira, capaz de conciliar a sugestiva imagem da capa de ZH com outras tantas “anti-Copa” que ela própria mostra diariamente, todas elas absolutamente verdadeiras, mas de uma evidência contrastante do ânimo dos “pró” e dos “contra”?
Foi então que lembrei – até por se tratar de uma visão externa e por isso, quem sabe, menos parcial – de uma análise, no mínimo original, feita pelo sociólogo francês Michel Maffesoli – bastante conhecido no meio acadêmico de Porto Alegre – no Le Figaro de 12 deste mês. “O Brasil – vê-se pelo clima social da Copa – é o país da harmonia conflituosa.” Para os gramáticos, um oxímoro. Para o intelectual, uma explicação que nem aumenta a harmonia nem diminui o conflito. Para os “pró-Copa”, não os livra dos xingamentos, para os “contra”, não segura o cassetete da polícia.
Então, que viva a “harmonia conflituosa”, que é com ela que vamos para o estádio, pois o estádio é – como diz Humberto Eco – o templo sagrado do nosso desperdício lúdico ao qual jamais podemos renunciar: exercê-lo significa ser livre e livrar-se da tirania do trabalho indispensável. “O Brasil – vê-se pelo clima social da Copa – é o país da harmonia conflituosa”
*Jornalista, ex-subprocurador-geral da República
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