MAURICIO TONETTO
BARRABRAVAS. CONHECIDO PELA VIOLÊNCIA gerada durante enfrentamentos com rivais em eventos esportivos, grupo de torcedores argentinos será monitorado no Estado, inclusive na Fronteira, onde a PF tem nome dos mais perigosos
Em cinco das últimas sete Copas do Mundo, eles arrumaram confusão e espalharam medo. Brigaram entre si, com torcedores de outros países, foram deportados e mataram um homem na África do Sul. Voltaram para casa com máscaras e dedos em riste. Organizados nos moldes da máfia, eles subornam policiais, pressionam dirigentes, vendem drogas nas arquibancadas e imediações dos estádios, administram estacionamentos, repassam ingressos, cobram comissões por passes de jogadores e militam em partidos.
Os barrabravas argentinos, conhecidos mundialmente pelos trapos e cantorias intermináveis nas canchas da América Latina, especializaram-se em atos ilícitos e estão entranhados no futebol e na política da Argentina bem além do espetáculo.
Mais de 500 são esperados no Brasil, sem contar os apoiadores de Boca Juniors e River Plate, as grandes equipes portenhas. Desde 2009, a maioria se uniu para torcer no Mundial por meio da ONG Hinchadas Unidas Argentinas (UNA), entidade apoiada e financiada pelo governo kirchnerista em 2010, na África do Sul. Neste ano, a torcida do Independiente – que protagonizou alguns dos espetáculos mais violentos do futebol nas últimas décadas – vai estar à frente da agremiação, que conta com apoiadores de diversas torcidas menores, da segunda e terceira divisões. Conforme Diego Llumá, diretor de Cooperação Internacional do Ministério da Segurança do país, é impossível prever o que acontecerá no Brasil:
– Não existe nada fora de contexto. Os riscos de violência, agora, estão vinculados às disputas internas nas barras e aos negócios. É uma máfia que tem a cumplicidade da polícia e dos dirigentes dos clubes argentinos. Caberá ao Brasil, por meio dos mecanismos de vigilância e controle, coibir a atuação deles.
O histórico dos barrabravas preocupa as forças de segurança brasileiras. Uma lista com mais de 2 mil nomes foi repassada há duas semanas pela polícia argentina à Polícia Federal, que mantém o documento em caráter confidencial. Em Porto Alegre, eles estarão no dia 25 para o jogo contra a Nigéria.
O secretário extraodinário de Segurança para Grandes Eventos, Andrei Rodrigues, admitiu preocupação com os barrabravas:
– Preocupa por ser a torcida mais volumosa. Recebemos do governo argentino, em Porto Alegre, uma lista de torcedores impedidos de ingressar em eventos esportivos. Ela foi repassada à Polícia Federal.
Rodrigues ventilou a possibilidade de torcedores serem barrados na Fronteira.
– Eu não posso te afirmar. Mas possibilidade concreta, há. E não se limita à lista.
HISTÓRICO DE CONFRONTOS E MORTES LIGADAS AO FUTEBOL
Um dos que mais preocupam é Pablo “Bebote” Alvarez, comandante do Diablos Rojos (Independiente) e da UNA. Ele esteve na África do Sul em 2010 e acabou expulso. Em guerra contra o então mandatário do clube, Javier Cantero – que renunciou ao cargo –, Bebote, mesmo proibido de frequentar estádios, diz que concorrerá à presidência.
– A impunidade é um problema que atinge toda a Argentina hoje e extrapola os estádios – analisa Ignacio Uzquiza, do Ministério da Segurança.
Martín Araujo, do River Plate, foi detido no Monumental de Nuñez com armas brancas e 200 carnês de sócios. Proibido de frequentar jogos, o militante do Partido Justicialista, o mesmo de Cristina Kirchner, é suspeito de ser protegido da presidente e de ter armado um esquema de caixa 2 com a conivência de dirigentes e do ex-treinador Daniel Passarella.
Nas últimas décadas, os barrabravas foram responsáveis por grande parte das agressões em partidas de futebol na Argentina. Desde os anos 1920, conforme a ONG Salvemos al Fútbol (SAF), já causaram mais de 270 mortes. As regalias vividas por seus líderes são dignas de personagens da máfia. A cúpula da Guardia Imperial, do Racing Clube, por exemplo, fez um cruzeiro pelo Brasil no ano passado ao custo de US$ 1,6 mil, por pessoa. De acordo com o jornal argentino La Nación, eles movimentam cerca de 200 mil pesos (R$ 56 mil) mensais em revenda de ingressos e merchandising de artigos oficiais.
ENTREVISTA
Entrevista com Gustavo Grabia, jornalista
“Sempre há algum problema em Copas”
Editor do diário esportivo argentino Olé, Gustavo Grabia, 46 anos, é hoje o maior especialista em barrabravas no mundo. Ele levou quatro anos para reunir as informações do livro La Doce, sobre a violenta torcida do Boca Juniors, e investiga os crimes cometidos pelas organizadas no país. Em entrevista a ZH, Grabia disse temer atos violentos durante a Copa do Mundo. Confira os principais trechos:
Torcidas rivais, que pregam o ódio mútuo, se unem durante a Copa. Como isso é possível?
Há cinco anos, eles resolveram se agrupar na Hinchadas Unidas Argentinas (HUA) para poder viajar ao Mundial da África do Sul. Para isso, trabalharam junto ao governo de Cristina Kirchner e, em contrapartida, foram financiados. Agora, decidiram seguir com esse esquema. Perceberam que quanto mais se organizam, mais pressão exercem nos políticos, clubes e sindicatos. O país está rivalizado politicamente, e eles aproveitam esse momento da Copa do Mundo, em que há uma trégua em nome da seleção, para atuar.
Essa união deles será uma garantia de paz durante os jogos no Brasil?
A união se faz para poder conseguir os ingressos, as passagens aéreas e os financiamentos. Uma vez atingido os objetivos, está feito. Sempre há algum problema em Copas, não posso assegurar que não vai acontecer nada no Brasil. Historicamente sempre acontece confusão. Creio que eles até viajam com a ideia de que não ocorra nada, mas o desenrolar diz outra coisa.
Existe uma torcida oficial em cada Copa, relacionada ao treinador da seleção?
Não. Da mesma forma que aconteceu no último Mundial, a hinchada que terá a maior quantidade de adeptos é a do Independiente. São eles que lideram atualmente a HUA, mas isso vai mudando.
O senhor considera as barra bravas organizações mafiosas?
Não tenho nenhuma dúvida de que são mafiosas pelos métodos de pressão e ameaça que utilizam. Eles chegaram ao entendimento de que individualmente são pequenos, mas unidos, uma grande torcida. Isso lhes dá mais poder de negociação com as autoridades e mais benefícios. Hoje, as barras trabalham para um monte de políticos, cada uma atua para o partido político de sua zona, já não estão mais vinculadas apenas ao governo federal. Os partidos políticos se aproveitam delas como uma força policial. Eu não tenho esperança de que a situação melhore. A tendência é só piorar. Oxalá que eu esteja equivocado.
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