MOISÉS MENDES*
Uma Copa, mesmo esta superfaturada, sempre nos devolve um sonho da infância. Meu colega Henrique Erni Gräwer tem uns 10 anos desde quarta-feira. Finalmente verá um jogo da Copa.
Ganhou ingresso no sorteio da RBS para os funcionários. Recebeu um telefonema e foi informado de que poderia escolher entre quatro jogos. Escolheu Coreia x Argélia. Contará, daqui a algumas décadas, que nunca houve um jogo como aquele do dia 22 de junho no Beira-Rio. E pode aparecer até no filme oficial da Fifa com uma bandeirinha da Argélia.
Eu queria receber um telefonema parecido. A pessoa do outro lado da linha me diria: você pode escolher uma entre quatro finais de Copas passadas. Você entrará numa máquina (da Fifa, claro), que o levará à época escolhida.
A voz teria a entonação dos narradores dos anos 50 do século 20. O telefonema seria com chiados e interrupções. E então eu iria para o dia 29 de junho de 58. Estádio Rasunda, Estocolmo. Final entre Suécia e Brasil.
Escolheria o lado direito da defesa brasileira no primeiro tempo, onde poderia, quem sabe, ser capturado pelas câmeras. Ficaria bem perto do gramado, atrás de uma das placas com as propagandas da Telefunken, marca da primeira TV da minha avó Nina.
Veria ao vivo o cotejo que já revi cinco vezes no YouTube, onde o vídeo de toda a partida está disponível há um mês. Queria ver como Zito jogava muito mais do que se pensava, que a Suécia dominou quase todo o primeiro tempo e que Orlando era mais xerife do que Bellini. Bem, Pelé e Garrincha...
O que eu queria testemunhar mesmo é um lance que nenhuma Copa irá repetir. Um momento que, se reprisado hoje com outros personagens, redimiria o Brasil de todo o desalento com a Seleção.
É uma cena famosa. Aos cinco minutos, logo depois do primeiro gol da Suécia, Bellini vai ao fundo da rede e pega a bola, caminha até a risca da área, onde encontra Didi, que está indo ao seu encontro. Didi se adona do balão e caminha em direção ao centro do campo.
Do momento em que pega a bola, até o centro do campo, são 40 passos. Didi caminha sem pressa, mas certo de que é possível dar um jeito naquilo. É a cena que eu queria ver ao vivo, mais até do que o gol em que Pelé aplica no zagueiro o mais fantástico balãozinho da história do futebol.
A confiança no futebol brasileiro nasce ali. É na convicção de Didi na resolução daquele impasse que o futebol começa a nos tirar – como diz o antropólogo Roberto DaMatta – da vala comum dos povos sem mapa.
O Brasil passa a existir para o mundo graças à magia de 58 e deve muito ao gesto do negro que se impõe para reverter a sina de 50, com a tragédia no Maracanã, e a derrota para a Hungria nas quartas de final de 54, na Suíça. Nelson Rodrigues anteviu que ali se estabelecia o vínculo entre pátria e futebol, quando o Brasil atrai os olhares do mundo para as artes de Pelé e Garrincha.
A Copa de 2014 é a face sombria do que se construiu até aqui, ou o reverso do que Didi fez naquela final. Algo muito sério se extraviou pelo caminho.
É por isso que o Mundial superfaturado marcou sua estreia, por coerência, com a vitória da malandragem no pênalti simulado. E assim vamos ao Hexa. Torcendo numa bruma de suspeitas, constrangimentos, indecisões, vergonhas, civismos e cinismos. Quando se desfez a conexão com o gesto de Didi que abarcou a brasilidade?
A Copa no Brasil levou a Seleção a se exaurir como identidade. Pode ter chegado a hora de experimentar outros signos de pertencimento. Ou o bom mesmo talvez seja o que Erni vai fazer: ver Argélia e Coreia, sem aflições, comendo amendoim. Se é que ainda há amendoim nos estádios, onde um pacotinho de ripples potato chips custa até R$ 15.
Neste endereço, você acessa o vídeo da final da Copa de 58:
http://www.youtube.com/watch?v=kjWe7ATSjPU
*JORNALISTA
Uma Copa, mesmo esta superfaturada, sempre nos devolve um sonho da infância. Meu colega Henrique Erni Gräwer tem uns 10 anos desde quarta-feira. Finalmente verá um jogo da Copa.
Ganhou ingresso no sorteio da RBS para os funcionários. Recebeu um telefonema e foi informado de que poderia escolher entre quatro jogos. Escolheu Coreia x Argélia. Contará, daqui a algumas décadas, que nunca houve um jogo como aquele do dia 22 de junho no Beira-Rio. E pode aparecer até no filme oficial da Fifa com uma bandeirinha da Argélia.
Eu queria receber um telefonema parecido. A pessoa do outro lado da linha me diria: você pode escolher uma entre quatro finais de Copas passadas. Você entrará numa máquina (da Fifa, claro), que o levará à época escolhida.
A voz teria a entonação dos narradores dos anos 50 do século 20. O telefonema seria com chiados e interrupções. E então eu iria para o dia 29 de junho de 58. Estádio Rasunda, Estocolmo. Final entre Suécia e Brasil.
Escolheria o lado direito da defesa brasileira no primeiro tempo, onde poderia, quem sabe, ser capturado pelas câmeras. Ficaria bem perto do gramado, atrás de uma das placas com as propagandas da Telefunken, marca da primeira TV da minha avó Nina.
Veria ao vivo o cotejo que já revi cinco vezes no YouTube, onde o vídeo de toda a partida está disponível há um mês. Queria ver como Zito jogava muito mais do que se pensava, que a Suécia dominou quase todo o primeiro tempo e que Orlando era mais xerife do que Bellini. Bem, Pelé e Garrincha...
O que eu queria testemunhar mesmo é um lance que nenhuma Copa irá repetir. Um momento que, se reprisado hoje com outros personagens, redimiria o Brasil de todo o desalento com a Seleção.
É uma cena famosa. Aos cinco minutos, logo depois do primeiro gol da Suécia, Bellini vai ao fundo da rede e pega a bola, caminha até a risca da área, onde encontra Didi, que está indo ao seu encontro. Didi se adona do balão e caminha em direção ao centro do campo.
Do momento em que pega a bola, até o centro do campo, são 40 passos. Didi caminha sem pressa, mas certo de que é possível dar um jeito naquilo. É a cena que eu queria ver ao vivo, mais até do que o gol em que Pelé aplica no zagueiro o mais fantástico balãozinho da história do futebol.
A confiança no futebol brasileiro nasce ali. É na convicção de Didi na resolução daquele impasse que o futebol começa a nos tirar – como diz o antropólogo Roberto DaMatta – da vala comum dos povos sem mapa.
O Brasil passa a existir para o mundo graças à magia de 58 e deve muito ao gesto do negro que se impõe para reverter a sina de 50, com a tragédia no Maracanã, e a derrota para a Hungria nas quartas de final de 54, na Suíça. Nelson Rodrigues anteviu que ali se estabelecia o vínculo entre pátria e futebol, quando o Brasil atrai os olhares do mundo para as artes de Pelé e Garrincha.
A Copa de 2014 é a face sombria do que se construiu até aqui, ou o reverso do que Didi fez naquela final. Algo muito sério se extraviou pelo caminho.
É por isso que o Mundial superfaturado marcou sua estreia, por coerência, com a vitória da malandragem no pênalti simulado. E assim vamos ao Hexa. Torcendo numa bruma de suspeitas, constrangimentos, indecisões, vergonhas, civismos e cinismos. Quando se desfez a conexão com o gesto de Didi que abarcou a brasilidade?
A Copa no Brasil levou a Seleção a se exaurir como identidade. Pode ter chegado a hora de experimentar outros signos de pertencimento. Ou o bom mesmo talvez seja o que Erni vai fazer: ver Argélia e Coreia, sem aflições, comendo amendoim. Se é que ainda há amendoim nos estádios, onde um pacotinho de ripples potato chips custa até R$ 15.
Neste endereço, você acessa o vídeo da final da Copa de 58:
http://www.youtube.com/watch?v=kjWe7ATSjPU
*JORNALISTA
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