ARTIGO
Moisés Mendes*
Caiu a qualidade de parte da crítica à Copa, o que constrange quem sempre questionou a realização do Mundial no Brasil. Percebe-se que a direita mais reacionária e oportunista, black blocs e uma esquerda que só existe em eventos de rua tentam se apropriar dos questionamentos mais barulhentos para esculhambar com a Copa, Neymar, governos, o país e as cidades. A Fifa, às vezes, é só um pretexto.
É desconfortável se abraçar a essa gente para vaiar a Seleção, por mais ridículo que seja o entusiasmo exagerado dos copeiros. Claro que constrangem as manifestações de ardor que tentam estabelecer laços cívicos entre Seleção e nação, como nos piores momentos do futebol-patriotismo da ditadura.
Mas os precavidos se distanciam da turma da baixaria muito mais para não serem confundidos com esses grupos do que pela convicção de que a partir de agora todos somos torcedores do que der e vier. Ou você recua ou pode estar no bloco dos que exaltam os direitos dos anarquistas, como uma parte do reacionarismo nacional vem fazendo. Repetem-se os discursos (alguns ditos liberais!) em favor do direito de expressão dos mascarados.
Claro que não são conservadores. Viva os conservadores. É uma direita dissimulada que torce para que as manifestações de rua virem uma aberração política. Agregam-se à anarcodelinquência, mesmo que as consequências sejam imprevisíveis, porque o que interessa é o tumulto.
E as esquerdas? A esquerda já se envergonhou de tanta coisa, inclusive de titubear, em algum momento, em relação à relevância e aos propósitos de black blocs e assemelhados.
A esquerda variada foi abalada com a queda do muro (mesmo que o condenasse), sofre com as alianças dos governos petistas com Malufs e similares e vai se açoitar por um bom tempo no processo de autoflagelo do mensalão.
A esquerda moderada purga seus tropeços morais e pede piedade por antecipação ao perceber que a Copa pode ser uma fria para o governo. A direita não se arrepende de nada.
Preste atenção nos reacionários e seus simpatizantes camuflados, os que têm sempre a mesma pauta contra a Comissão da Verdade, negros, índios, homossexuais, o sistema de cotas, Bolsa Família (como desperdício de recursos), o ProUni e até o Enem, mesmo que muitos desses ataques sejam dissimulados.
Para eles, a prosperidade da direita europeia não pode chegar tardiamente aqui. É preciso pegar logo o bonde. Mas como e com quem?
As eleições presidenciais recentes não tiveram nenhum representante legítimo da direita no Brasil. Enéas não vale. Também não há, entre os candidatos que se apresentam até agora, nenhum alinhado com o país mais reacionário.
Porto Alegre não teve, na disputa pela prefeitura (e não tem há décadas) nenhum candidato da direita. Mas a direita respira e está em busca de representatividade e de expressão institucional.
Ressuscita-se um debate dado como morto quando do anúncio do fim das ideologias, feito pela direita. E escancaram-se diferenças que, também segundo a direita, haviam desaparecido, para que Clinton e Bush fossem vistos como a mesma coisa e para que os chamados projetos estruturantes de Médici e de Lula fossem enfim denunciados, em reflexões que se repetem ultimamente, como feitos do mesmo barro.
O debate é desigual, porque as vozes da direita raramente se apresentam como tal. Os reacionários do Brasil ainda precisam superar uma dificuldade. Não se assumem, porque isso seria pejorativo – ou coisa dos Bolsonaros –, protegem-se em argumentos enviesados, disfarçam posições públicas, negaceiam.
A direita brasileira poderia se aconselhar com a direita europeia para começar a expor sem pudor suas preferências. A direita pós-ditadura ainda é muito encabulada.
*JORNALISTA
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