quarta-feira, 9 de julho de 2014

O PADRÃO FIFA DE CONDUTA

O GLOBO 09/07/2014 0:00


Zuenir Ventura Foto: O Globo

Zuenir Ventura


A dentada, por mais reprovável que tenha sido, não produziu estragos, enquanto a joelhada fraturou vértebra e vai deixar o atingido inativo por seis semanas


Em um só dia, anteontem, foram descobertos dois aspectos pouco edificantes do padrão Fifa de conduta. O primeiro surge quando, ao tentar explicar a covarde agressão sofrida por Neymar, acabou defendendo a impunidade e estimulando a violência em campo. Num comunicado à imprensa, em que agride a coerência e a lógica, ela diz que, apesar da “extensa documentação”, não pôde agir porque “nem um cartão amarelo nem um cartão vermelho foi mostrado pelo árbitro”. Quer dizer: o juiz erra — e isso é mostrado exaustivamente pelas imagens de televisão — e a Comissão Disciplinar da entidade máxima, em vez de puni-lo, usa o erro contra a vítima, ou seja, como atenuante para absolver o agressor. Se é assim, por que então castigou Luis Suárez, se também nem falta foi marcada? Aliás, uma pena desmedida, se for feita a comparação. A dentada, por mais reprovável que tenha sido, não produziu estragos, enquanto a joelhada fraturou vértebra e vai deixar o atingido inativo por seis semanas. Se o uruguaio pegou nove jogos de suspensão e quatro meses fora das atividades em seu clube, além de multa de R$ 247 mil, o colombiano merecia no mínimo o mesmo.

O outro aspecto é ainda mais grave, porque o episódio que envolve a Fifa foi parar na página policial. Trata-se da prisão do inglês Raymond Whelan, diretor da única empresa escolhida para a venda de bilhetes para a Copa. Solto por um habeas corpus, continua sendo investigado como chefe da quadrilha por “fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete”, crime previsto no artigo 41 do Estatuto do Torcedor. Ele está hospedado no Copacabana Palace, hotel oficial da Fifa, onde o argelino Lamine Fofana adquiria ingressos (de quem?) para revender. Fofana, preso antes com mais dez suspeitos, é o operador das tenebrosas transações. Em sua casa num condomínio de luxo na Barra da Tijuca, além de um caderno com a contabilidade do grupo, a polícia descobriu que nas últimas semanas ele fez nada menos que 900 ligações para Whelan num dos celulares oficiais de uso da Fifa no Brasil. Na suíte do inglês, os policiais apreenderam US$ 1.300, telefones e cem ingressos (inclusive para a final). A Polícia Civil carioca, cuja operação foi elogiada pela Scotland Yard, calcula que o lucro com a venda clandestina durante a Copa seria de R$ 200 milhões.

É cedo para dizer até onde vai o envolvimento da Fifa com a rede de cambistas, mas não é cedo para dizer que, em termos de conduta, ela, que foi tão rigorosa com os organizadores locais, não anda em boa companhia. Pelo visto, em vez de parceiros, escolheu comparsas.

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