quarta-feira, 9 de julho de 2014

NO FUNDO DO POÇO



ZERO HORA 09 de julho de 2014 | N° 17854

ADEUS AO SONHO

BRASIL SOFRE SUA maior goleada e dá adeus ao sonho do hexa em casa



Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Sete. Os gols foram saindo na mesma velocidade em que mais de um século de tradição futebolística descia pelo ralo da vergonha no Mineirão. Por pura compaixão no segundo tempo, e o Brasil deve esta piedade aos alemães, não foi oito ou nove. Dez, talvez. A Seleção Brasileira se despede da Copa do Mundo em casa assinando o pior vexame de sua história, ao perder por 7 a 1 para a Alemanha.

Foi constrangedor, do início ao fim. Um suplício interminável, com ares de maldição eterna, admitido pelo técnico Luiz Felipe Scolari ao final do massacre.

– Foi o pior dia da minha vida de jogador, treinador e professor de educação física. Ficarei marcado como o técnico da nossa pior derrota, mas eu sabia dos riscos que corria quando aceitei reassumir o cargo – reconheceu um Felipão arrasado, tentando encontrar explicações para o inexplicável.

O que se viu foi no Mineirazo de 2014, óbvia referência da mídia internacional a 1950, foi um time organizado e compactado, capaz de fluir um contra-ataque com meia dúzia de passes rápidos e se fechar em bloco logo em seguida. Esta era a Alemanha, que vive um processo de reinvenção há quase uma década, acrescentando drible e criatividade desde a base aos já reconhecidos método e força.

Do outro lado, um Brasil desprotegido no meio-campo, varziano, errando lances bisonhos, incapaz de coberturas primárias aos laterais e assustado com a superioridade do oponente.

Sem Neymar, Luiz Felipe poderia ter sido humilde e reconhecido que era um time médio diante de outro muito melhor. Até treinou com Paulinho, formando um tripé de volantes para marcar a fortaleza alemã. Que, há anos, todos sabem, é o meio-campo.

Mas Felipão traiu suas origens e se abriu. Escolheu Bernard, engolido por Höwedes e os gigantes da defesa montada por Joachim Löw. Servido o banquete, a Alemanha se refestelou.

Bernard, escalado para ser a surpresa corajosa, mal tocou na bola. Hulk, do outro lado, manteve o seu padrão de UFC: força, vontade, velocidade, desde que sem a bola. A bola é um estorvo para Hulk. Oscar se posicionou cá atrás, de maneira incompreensível. A linha de três atrás de Fred, portanto, naufragou. E aí o meio-campo da Seleção ruiu diante de um outro meio-campo, este espetacular, que abre e fecha num piscar de olhos, com os jogadores próximos e atuando numa faixa pequena de campo.

Em pouco menos de meia hora, a tragédia estava consumada. Depois do primeiro gol, de Müller, logo a 10 minutos, finalizando escanteio da direita, o Brasil virou pó.

– Deu uma pane. Aí, em cinco minutos, tudo acabou – lamentou Felipão, que não quis falar sobre o seu futuro no cargo.

Ninguém entendia nada no Mineirão. Aos 22, Klose fez o seu 16º gol em Mundial, superando Ronaldo. Até isso. Aos 24, Kroos aumentou. Aos 25, o mesmo Kroos, se aproveitando de lambança de Luiz Gustavo e Fernandinho, formou o quatrilho. Aos 29, Khedira, um dos volantes que o Brasil não se importou em marcar, se desprendeu lá de trás e fez o quinto gol.

Os alemães cantavam “Rio de Janeiro, ô, ô, ô”, trocando o jota por xis. Os torcedores brasileiros se olhavam, atônitos. Alguns choravam. Depois, xingaram Fred, quando este atrasou uma bola para o goleiro. Repetiram a dose com Oscar. Ao final do jogo, a vaia pegou geral.

Paulinho e Ramires nos lugares de Fernandinho e Hulk, é claro, melhoraram um pouco o Brasil na volta do intervalo. Dois volantes, que ajudaram a marcar os alemães. O jogo se arrastou, com a Alemanha se apiedando do Brasil. Ainda houve tempo para Schürrle fazer o sexto e o sétimo. O que se viu no Mineirão foi a história escrita ao contrário, uma seleção – a Seleção – ser virada de cabeça para baixo.

O futebol brasileiro nunca mais será o mesmo diante do seu pior fiasco em todas as Copas.

DIOGO OLIVIER | BELO HORIZONTE

UM VEXAME ETERNO

-Esta foi a maior derrota na história da Seleção, que só tinha perdido por seis gols de diferença uma vez, no Campeonato Sul-Americano de 1920: Uruguai 6x0 Brasil. Em Copas, nunca levara mais de quatro gols no tempo normal, nem perdido por mais de três gols de diferença.

-Esta foi a maior derrota em uma semifinal de Copa, superando as duas de 1930 (Argentina 6x1 EUA e Uruguai 6x1 Iugoslávia) e Alemanha Ocidental 6x1 Áustria, em 1954.

-Esta foi a terceira vez em Mundiais que um time toma cinco gols no 1º tempo,. depois de Zaire (seis gols na na derrota de 9 a 0 para a Iugoslávia), e Haiti (cinco na derrota de 7 a 0 para a Polônia), ambos na Copa de 1974.

- Esta foi a 11ª maior goleada da história das Copas. Empata com Brasil 7x1 Suécia (1950) e fica atrás de:

Hungria 10x1 El Salvador (1982)
Hungria 9x0 Coreia do Sul (1954)
Iugoslávia 9x0 Zaire (1974)
Suécia 8x0 Cuba (1938)
Uruguai 8x0 Bolívia (1950)
Alemanha 8x0 Arábia Saudita (2002)
Uruguai 7x0 Escócia (1954)
Turquia 7x0 Coreia do Sul (1954)
Polônia 7x0 Haiti (1954)
Portugal 7x0 Coreia do Norte (2010)
-Esta só não foi a partida em que o Brasil tomou mais gols. Em 1934, perdeu por 8 a 4 para a Iugoslávia em um amistoso em Belgrado.


DERROTA EM SEIS MINUTOS

HÁ ALGUMA EXPLICAÇÃO?

DENTRO APENAS DA disputa do terceiro lugar, sábado, em Brasília, a Seleção busca explicações para o revés que a trucidou entre os 22 e os 28 minutos do primeiro tempo



Em seis minutos faz-se miojo, troca-se fralda de bebê, compra-se ingresso na sessão de cinema mas nunca um time sofre quatro gols, como acabou acontecendo na pior derrocada da história da Seleção Brasileira em todos os tempos. Do segundo gol alemão, o 16º de Klose em Copas, aos 22 minutos, passando pelos dois de Kroos, aos 23 e aos 25, até o 5 a 0 de Khedira, aos 28 minutos, como a navalha retorcida na carne, o Brasil sofreu sua humilhação mais esculachante.

– Dois volantes fizeram três gols, você quer o quê? Ganharam na experiência – disse o técnico do Inter, Abel Braga, sobre a vitória alemã.

Abel fez defesa solitária do técnico Luiz Felipe Scolari. O jornalista paulista Alberto Helena Júnior, por outro lado, o crucificou. Aos 73 anos, 65 envolvidos com futebol, desde 1974 em coberturas de Copas do Mundo, foi enfático ao dizer jamais ter visto algo parecido no futebol. Usou adjetivos do vexaminoso ao trágico, mas considera-se mais estarrecido com o fato de, ao contrário do Brasil, ver a Alemanha jogar futebol vistoso.

– Felipão e seu pobre futebol de resultado espelham a decadência da CBF e seus cartolas. Eles são, sim, culpados pela maior vergonha já sofrida. São os homens do bola para a frente a qualquer custo – declarou Helena Júnior.

Calejado em grandes competições, Helena rejeita a ideia da família Scolari, do “somos nós contra todos” que até o Zagallo utilizava decênios atrás. Quando o futebol escasseia, para ele, o emocional não estimula e, ao contrário, retira a confiança e põe o grupo para baixo. Nem o argumento da entressafra de jogadores justifica tamanha desolação.

Para o especialista, o sistema de jogo revela atraso técnico e tático. Não se investe em conhecimento de futebol como a Europa faz de rotina, como a Alemanha faz:

– Há muito o braço da viola mudou, só o Brasil não vê.

O motivador Evandro Mota viu o jogo de Lisboa, Portugal, ele trabalha no Benfica, depois de servir de consultor à Seleção nas Copas de 1994 e 98. Perguntado sobre os efeitos dos choros e do impacto emocional da falta de Neymar no grupo, ele desabafou:

– Estou chocado. Estou triste. É difícil acreditar, mas podem ter certeza: o que se vê de reação é a ponta do iceberg.

Pelo Twitter, o ex-volante Gilberto Silva, penta em 2002, fez um comentário forte:

– Ainda tem alguém que acha que está tudo bem no futebol brasileiro? E a culpa agora é somente dos atletas?

JONES LOPES DA SILVA



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