domingo, 13 de julho de 2014

A QUEDA DOS DEUSES,

ZERO HORA 13 de julho de 2014 | N° 17858


ARTIGOS

 por FLÁVIO TAVARES*



A Pátria é como o amor está onde estivermos, em nossos atos e nossos gestos. O poeta Fernando Pessoa, que tudo expressava pela escrita, dizia que sua pátria era a língua portuguesa. Desde a tarde de 8 de julho, estamos em estado de choque pelo Brasil, na frustração da fantasia do amor à pátria. A derrota de 7 a 1 no futebol nos leva à mais brutal das catástrofes a queda dos deuses. Sim, pois transformamos a Copa do Mundo e o futebol em novo deus, numa fanática idolatria em que a Seleção reunia os sacerdotes sagrados que nos levariam ao Paraíso. A avalanche contou com os governantes, que se submeteram às estripulias faraônicas da Fifa.

Empurrados pela “lei da Copa” (votada por senadores e deputados), a presidente, governadores e prefeitos das cidades-sede deram à Fifa e às empresas por ela apontadas regalias, benefícios e isenções que o setor público ou privado brasileiro jamais teve para investir no desenvolvimento do país. O Mundial nos redimiria de todos os males e defeitos. Tudo se permitia a esse anjo-salvador que instalaria o divino céu entre nós. Os odiosos seriam seduzidos pelo amor e os amantes iriam amar-se ainda mais. Nas cidades-sede, a bonança recaria sobre ricos e pobres.

O ser humano adora competir e festejar triunfos, e os meios de comunicação alimentaram essa fantasia de esplendor que o mercantilismo (e ânsia de lucro) da propaganda das empresas aquinhoadas pela Fifa exacerbou ainda mais.

Felipão e os jogadores eram como entes celestiais, novos deuses redentores. As obras da Copa, dispensadas de licitação, surgiram como paraíso do suborno, idolatradas por “lobistas”, prefeitos, secretários de Estado e similares. O$ “amigo$” tinham preferência.

Para atenuar o vergonhoso 7 a 1, há quem compare tudo a 1950, no Maracanã. Nada é mais errôneo. Há 64 anos, um erro gerou a tragédia. Agora, o fanatismo nos cegou, e a sucessão de fantasias (ou mentiras) levou à aberração do fiasco dos novos deuses. No ar ou em terra, tudo hoje é diferente. Lembro-me bem do trágico julho de 1950. Primeiro, o imenso Constellation da Panair explodiu ao bater no Morro do Chapéu, em São Leopoldo. Logo, o avião de Salgado Filho, candidato trabalhista a governador, cego pela bruma, caiu à saída da fazenda de Getúlio Vargas, na fronteira. Ninguém sobreviveu.

No Maracanã, o 2 a 1 do Uruguai sobre o Brasil completou o drama. Mas a Seleção caiu com dignidade. Foi até superior, só derrotada pelo titubeio do goleiro Barbosa no segundo gol. Agora, onze anjinhos esvoaçavam sem rumo, sem asas e humilhados.

E em 1950, a Fifa não se envolveu no escândalo milionário da venda de entradas no câmbio negro...

Em Montevidéu, em 1975, Obdúlio Varela, o “capitão” que guiou o Uruguai ao triunfo, contou-me que, após o jogo, tomou um bonde e foi conhecer Copacabana. Sozinho, de terno e gravata, sem ser reconhecido, viu “lamentos e choro” nas ruas, bares e cafés.

– A tristeza era tanta, que me arrependi da vitória. Tive vontade de ir ao hotel, buscar a Copa e entregá-la aos brasileiros –, me contou em lágrimas, emocionado.

Mas, para que queríamos a nova taça, agora? Em 1970, no México, vi Pelé e Tostão erguerem a Copa Jules Rimet, que passou definitivamente ao Brasil-tricampeão. Pouco depois, a taça de ouro maciço foi roubada da sede da Confederação Brasileira de Desportos, no Rio. Os ladrões nunca foram identificados.

Para isto queríamos a nova copa de ouro? Para aguçar a cobiça dos ladrões de sempre? Sem lamentos, agradeço aos alemães por nos livrarem da repetição de um crime impune. Em vez de algozes, eles são os justiceiros a nos livrar da sanha dos ladrões de sempre!

Só não precisava tanta humilhação!



*JORNALISTA E ESCRITOR

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