domingo, 13 de julho de 2014

AS MÁFIAS DO FUTEBOL

ZERO HORA 13 de julho de 2014 | N° 17858. ARTIGOS



MOISÉS MENDES*




O Brasil se divertiu com uma imagem que a TV repetiu por uma semana na Copa. Um jogador da seleção de Gana cheirava um maço de dólares no corredor do hotel. Era o personagem visível e distante de nós da dinheirama que rola no futebol.

O jogador recebia o pagamento que o governo de Gana enviara por avião, como recompensa pela participação na Copa, ou ninguém entraria em campo. E, dias depois, fomos informados de que atletas de Camarões poderiam ter recebido dólares para manipular resultados de seus jogos.

Com as duas notícias, ficamos com o folclore que não nos ofende. Jogadores de seleções sem expressão nos ofereciam argumentos para condenar as imoralidades dos outros. E eram africanos. Nós, torcedores de seleções cada vez mais brancas, seríamos espectadores das baixarias alheias.

Nossos cheiradores de dólares estão encobertos em trincheiras poderosas. Ganeses e camaroneses são caricaturas no ambiente de corrupção que ronda há muito tempo a Fifa, a CBF e similares. São coisas graúdas misturadas à coisa miúda.

Uma coisa miúda foi descoberta pela polícia carioca, enquanto os jogadores de Gana cheiravam dólares. Maços de dinheiro circulavam no Brasil pelas mãos da máfia dos ingressos, que pode ter faturado até R$ 1 milhão por jogo da Copa. Mas também isso é coisa pequena.

O esquema mafioso do inglês Ray Whelan com o argelino Mohamadou Lamine Fofana é de varejo. Fofana, homem de confiança da Fifa, é uma dessas figuras de saguão de hotel, que conversam pelos cantos se esfregando em bacanas, andam com moças bonitas, têm crachá e carro à disposição e oferecem festas a celebridades.

São tipos que se denunciam pelo jeito de andar, de falar e de se esgueirar. Todo mundo sabe, até as camareiras dos hotéis, que são pilantras. Mas ninguém faz nada. Até que um delegado, sem saber de que tudo é combinado, atrapalha os negócios.

Mas por que não caem os mafiosos brasileiros das negociatas com jogadores, com as partilhas entre dirigentes, técnicos e empresários? Por que o ex-dirigente do Internacional Roberto Siegmann nunca foi chamado pelo Ministério Público para contar o que diz saber dessas máfias?

Siegmann é um Quixote. Repete em entrevistas que o futebol brasileiro é mafioso e alerta que há interesses encobertos, para muito além da paixão clubística. Mas o que ele sabe que nós também devemos saber?

Os clubes vivem das parcerias com investidores. É do jogo. O que interessa é iluminar o submundo das transações, dos arranjos, da politicagem da CBF.

Siegmann pode nos dizer por que pernas de pau, muito bem remunerados, circulam pelos clubes, em rodízio, sob a proteção de treinadores e dirigentes. Por que a gestão dos clubes, sequestrada pelos empresários, é deliberadamente precária?

Quem anda cheirando e comendo dólares? Outros que sabem o que Siegmann diz saber devem se aliar ao seu esforço.

Alguém pode dizer que esse é um problema dos clubes e que ninguém deve se meter em rolos privados (se fosse assim, a polícia não teria investigado os cambistas da Fifa).

Vamos lá. Quem continua, fora de campo, a faxina que a seleção da Alemanha começou naquele jogo-tragédia de terça-feira?

Espero que não confundam o que escrevi com as teorias dos que acreditam nas conspirações para que o Brasil ganhasse ou perdesse a Copa. Vamos procurar as máfias onde elas de fato estão.

Domingo passado, escrevi aqui que José Dirceu iria para o regime semi-aberto para trabalhar como bibliotecário de um escritório. Recebi e-mails de profissionais da área, com o alerta de que o trabalho exige formação superior específica.

Peço desculpas aos bibliotecários, bons parceiros da minha obsessão de estar sempre mexendo em acervos e memórias.

*JORNALISTA

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