REVISTA VEJA 13/05/2014 - 11:16
Futebol
'Morte e jogos': A capa da 'Der Spiegel' é ilustrada pela bola do Mundial em chamas sobre o Rio
Protesto antes da abertura da Copa das Confederações, em Brasília - Ivan Pacheco
"Os jogos vão terminar em pancadaria nas ruas? Autoridades e funcionários da Fifa serão perseguidos por uma multidão enfurecida?"
No mesmo dia em que a Embaixada do Brasil em Berlim foi apedrejada em protesto contra a Copa do Mundo, a principal revista da Alemanha publicou uma reportagem especial tratando dos problemas do país-sede. A capa da edição desta semana da Der Spiegelmostra uma Brazuca, a bola oficial do Mundial, em chamas. Ao fundo está o Rio de Janeiro. A ilustração é acompanhada do seguinte título: "Morte e jogos". A publicação traz dez páginas sobre a Copa, destacando os atrasos nas obras, a reprovação da população aos gastos excessivos com o evento e o risco de protestos violentos nas cidades-sede.
"Justamente no país do futebol, a Copa pode virar um fiasco: protestos, greves e tiroteios em vez de festa", diz o texto do jornalista Jens Glüsing, intitulado "Gol contra do Brasil". Apesar dos grandes atrativos nos gramados, "as notícias serão sobre protestos e greves, problemas com infraestrutura e violência", acredita Glüsing. A revista fala sobre a preocupação dos europeus com a violência urbana: "Nas favelas do Rio, policiais e traficantes se enfrentam de maneira sangrenta. Em São Paulo, gangues queimam ônibus quase todas as noites". A reportagem principal da edição também revela o temor dos alemães com a possibilidade de a seleção brasileira não vencer a Copa. "Os jogos vão terminar em pancadaria nas ruas? Autoridades e funcionários da Fifa serão perseguidos por uma multidão enfurecida?"
A Der Spiegel afirma que o clima no país é de desilusão, já que o crescimento econômico obtido nas últimas décadas não foi capaz de elevar a qualidade dos serviços, da saúde e da educação ao nível que a população espera – e isso, agora, se reflete nas manifestações contrárias ao Mundial. "A alegria que se via antigamente com a Copa transformou-se em irritação com o governo e com a organização". Outra reportagem da edição trata especificamente dos estádios erguidos para o Mundial. "Nenhum país gastou tanto com a Copa. E quase tudo foi pago com dinheiro público." Enquanto isso, lembra a revista, apenas uma fração dos projetos de infraestrutura prometidos para o evento ficarão prontos.
A cadeia de erros do Brasil na Copa
1. Estádios demais
Como poderia ter sido: A Fifa ficaria satisfeita com apenas oito estádios, o suficiente para o evento
O que o país fez: Para aumentar o número de cidades envolvidas – e atender aos pedidos do maior número possível de governadores e prefeitos –, ampliou o número para doze arenas
Qual foi a consequência: Além de encarecer todo o evento, criou dois problemas. Sem investidores privados para bancar estádios em capitais sem clubes de grande torcida, usou-se dinheiro público. Além disso, algumas das arenas poderão virar elefantes brancos depois do Mundial.
3. Obras atrasadas
Como poderia ter sido: O Brasil teria facilitado tudo caso tivesse definido rapidamente suas sedes
O que o país fez: Com 17 candidatas a receber os jogos, o governo demorou dois anos para apontar as escolhidas. Em São Paulo, a indefinição em torno do estádio da Copa durou quatro anos
Qual foi a consequência: Por ter desperdiçado tanto tempo para listar os doze estádios, as obras de construção ou reforma ficaram com um prazo apertado demais. Além disso, problemas burocráticos e disputas políticas atrasaram a liberação de linhas de crédito para os projetos
4. Projetos frustrados
Como poderia ter sido: Obras de infraestrutura seriam diretamente ligadas à realização do evento
O que o país fez: Na tentativa de contemplar o maior número possível de Estados e municípios, o governo federal colocou na Matriz de Responsabilidades um número excessivo de projetos
Qual foi a consequência: Sem um foco específico nas necessidades do evento – no caso das obras de mobilidade urbana, por exemplo, é o transporte público até os estádios –, as cidades tiveram de lidar com projetos demais, muitos deles inviáveis. Resultado: muitos não vão sair do papel
O Estádio Nacional de Brasília: o custo se aproxima dos 2 bilhões de reais em verba pública
O ministro do Esporte do governo Lula prometia uma Copa totalmente privada, sem uso de dinheiro público nas arenas. Entre as doze sedes do Mundial, porém, só três (São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) são empreendimentos particulares - e mesmo essas obras dependem de financiamento de bancos estatais e generosos incentivos públicos.
O Itaquerão, palco da abertura: obra deverá ser concluída apenas às vésperas da estreia
Quando os críticos da Copa apontavam o risco de o país repetir velhos vícios e entregar as obras em cima da hora, pagando mais do que o prometido por elas, o governo prometia seguir os planos à risca, mostrando que o Brasil é capaz de fazer as coisas conforme o combinado. Mas ele não é. Todos os estádios estouraram o orçamento, e os prazos estabelecidos pela Fifa foram repetidamente ignorados.
A Copa foi usada como pretexto para a discussão de projetos há muito sonhados - como, por exemplo, o trem-bala que ligaria São Paulo ao Rio de Janeiro, possivelmente com extensões aos aeroportos de Cumbica e Viracopos. Os palcos da abertura e da final do Mundial, no entanto, seguem sem ter essa ligação rápida e prática.
Obra do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, próximo a Natal: projeto demorou a decolar
Há investimentos no setor, mas eles são muito mais tímidos do que o governo insiste em anunciar. Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que, até abril de 2013, a Infraero utilizou apenas 18% dos recursos previstos neste ano para melhorias e obras nos aeroportos. Num ranking de qualidade com 142 países, nossos aeroportos estão na 122ª posição.
O VLT de Brasília: projeto era muito bonito no papel, mas não vai virar realidade
Na Matriz de Responsabilidade, documento que lista os compromissos da União, estados e municípios em relação à Copa, a previsão inicial era de um investimento total de 11,9 bilhões de reais em projetos de mobilidade urbana nas doze cidades-sede. Com o fracasso de pelo menos seis projetos, 3 bilhões de reais foram cortados.
O Maracanã, palco da final: atuação do TCU impediu desperdícios multimilionários na obra
O governo falava em realizar uma Copa dentro das possibilidades dos brasileiros, sem despesas desnecessárias. Essa cautela, porém, não existiu. O Tribunal de Contas da União (TCU) conseguiu identificar gastos excessivos em obras de mobilidade urbana, estádios, aeroportos, portos e telecomunicações. Sua atuação provocou economia de 600 milhões de reais.
Futebol
'Morte e jogos': A capa da 'Der Spiegel' é ilustrada pela bola do Mundial em chamas sobre o Rio
Protesto antes da abertura da Copa das Confederações, em Brasília - Ivan Pacheco
"Os jogos vão terminar em pancadaria nas ruas? Autoridades e funcionários da Fifa serão perseguidos por uma multidão enfurecida?"
No mesmo dia em que a Embaixada do Brasil em Berlim foi apedrejada em protesto contra a Copa do Mundo, a principal revista da Alemanha publicou uma reportagem especial tratando dos problemas do país-sede. A capa da edição desta semana da Der Spiegelmostra uma Brazuca, a bola oficial do Mundial, em chamas. Ao fundo está o Rio de Janeiro. A ilustração é acompanhada do seguinte título: "Morte e jogos". A publicação traz dez páginas sobre a Copa, destacando os atrasos nas obras, a reprovação da população aos gastos excessivos com o evento e o risco de protestos violentos nas cidades-sede.
"Justamente no país do futebol, a Copa pode virar um fiasco: protestos, greves e tiroteios em vez de festa", diz o texto do jornalista Jens Glüsing, intitulado "Gol contra do Brasil". Apesar dos grandes atrativos nos gramados, "as notícias serão sobre protestos e greves, problemas com infraestrutura e violência", acredita Glüsing. A revista fala sobre a preocupação dos europeus com a violência urbana: "Nas favelas do Rio, policiais e traficantes se enfrentam de maneira sangrenta. Em São Paulo, gangues queimam ônibus quase todas as noites". A reportagem principal da edição também revela o temor dos alemães com a possibilidade de a seleção brasileira não vencer a Copa. "Os jogos vão terminar em pancadaria nas ruas? Autoridades e funcionários da Fifa serão perseguidos por uma multidão enfurecida?"
A Der Spiegel afirma que o clima no país é de desilusão, já que o crescimento econômico obtido nas últimas décadas não foi capaz de elevar a qualidade dos serviços, da saúde e da educação ao nível que a população espera – e isso, agora, se reflete nas manifestações contrárias ao Mundial. "A alegria que se via antigamente com a Copa transformou-se em irritação com o governo e com a organização". Outra reportagem da edição trata especificamente dos estádios erguidos para o Mundial. "Nenhum país gastou tanto com a Copa. E quase tudo foi pago com dinheiro público." Enquanto isso, lembra a revista, apenas uma fração dos projetos de infraestrutura prometidos para o evento ficarão prontos.
A cadeia de erros do Brasil na Copa
1. Estádios demais
Como poderia ter sido: A Fifa ficaria satisfeita com apenas oito estádios, o suficiente para o evento
O que o país fez: Para aumentar o número de cidades envolvidas – e atender aos pedidos do maior número possível de governadores e prefeitos –, ampliou o número para doze arenas
Qual foi a consequência: Além de encarecer todo o evento, criou dois problemas. Sem investidores privados para bancar estádios em capitais sem clubes de grande torcida, usou-se dinheiro público. Além disso, algumas das arenas poderão virar elefantes brancos depois do Mundial.
2. Viagens em excesso
Como poderia ter sido: A Fifa pretendia dividir o país em 4 regiões para facilitar os deslocamentos
O que o país fez: Para evitar uma briga entre as diferentes regiões pela honra de sediar os jogos da seleção brasileira, não aceitou separar os oito grupos pelos critérios geográficos
Qual foi a consequência: Muitas seleções (e seus torcedores) terão de fazer longas viagens logo na primeira fase da Copa, aumentando dramaticamente o número de deslocamentos pelo país – e elevando, portanto, o risco de problemas nos aeroportos, que ficarão bem mais cheios
Como poderia ter sido: A Fifa pretendia dividir o país em 4 regiões para facilitar os deslocamentos
O que o país fez: Para evitar uma briga entre as diferentes regiões pela honra de sediar os jogos da seleção brasileira, não aceitou separar os oito grupos pelos critérios geográficos
Qual foi a consequência: Muitas seleções (e seus torcedores) terão de fazer longas viagens logo na primeira fase da Copa, aumentando dramaticamente o número de deslocamentos pelo país – e elevando, portanto, o risco de problemas nos aeroportos, que ficarão bem mais cheios
3. Obras atrasadas
Como poderia ter sido: O Brasil teria facilitado tudo caso tivesse definido rapidamente suas sedes
O que o país fez: Com 17 candidatas a receber os jogos, o governo demorou dois anos para apontar as escolhidas. Em São Paulo, a indefinição em torno do estádio da Copa durou quatro anos
Qual foi a consequência: Por ter desperdiçado tanto tempo para listar os doze estádios, as obras de construção ou reforma ficaram com um prazo apertado demais. Além disso, problemas burocráticos e disputas políticas atrasaram a liberação de linhas de crédito para os projetos
4. Projetos frustrados
Como poderia ter sido: Obras de infraestrutura seriam diretamente ligadas à realização do evento
O que o país fez: Na tentativa de contemplar o maior número possível de Estados e municípios, o governo federal colocou na Matriz de Responsabilidades um número excessivo de projetos
Qual foi a consequência: Sem um foco específico nas necessidades do evento – no caso das obras de mobilidade urbana, por exemplo, é o transporte público até os estádios –, as cidades tiveram de lidar com projetos demais, muitos deles inviáveis. Resultado: muitos não vão sair do papel
O que ficou só na promessa para o Mundial
1. Estádios Privados
1. Estádios Privados
O Estádio Nacional de Brasília: o custo se aproxima dos 2 bilhões de reais em verba pública
O ministro do Esporte do governo Lula prometia uma Copa totalmente privada, sem uso de dinheiro público nas arenas. Entre as doze sedes do Mundial, porém, só três (São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) são empreendimentos particulares - e mesmo essas obras dependem de financiamento de bancos estatais e generosos incentivos públicos.
2. Compromisso dos Compromissos
O Itaquerão, palco da abertura: obra deverá ser concluída apenas às vésperas da estreia
Quando os críticos da Copa apontavam o risco de o país repetir velhos vícios e entregar as obras em cima da hora, pagando mais do que o prometido por elas, o governo prometia seguir os planos à risca, mostrando que o Brasil é capaz de fazer as coisas conforme o combinado. Mas ele não é. Todos os estádios estouraram o orçamento, e os prazos estabelecidos pela Fifa foram repetidamente ignorados.
3. Revolução na Infraestrutura
Trem-bala japonês: a versão brasileira foi adiada por tempo indeterminado em agosto de 2013
A Copa foi usada como pretexto para a discussão de projetos há muito sonhados - como, por exemplo, o trem-bala que ligaria São Paulo ao Rio de Janeiro, possivelmente com extensões aos aeroportos de Cumbica e Viracopos. Os palcos da abertura e da final do Mundial, no entanto, seguem sem ter essa ligação rápida e prática.
4. Aeroportos modernizados
Há investimentos no setor, mas eles são muito mais tímidos do que o governo insiste em anunciar. Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que, até abril de 2013, a Infraero utilizou apenas 18% dos recursos previstos neste ano para melhorias e obras nos aeroportos. Num ranking de qualidade com 142 países, nossos aeroportos estão na 122ª posição.
5. Transporte público de qualidade
Na Matriz de Responsabilidade, documento que lista os compromissos da União, estados e municípios em relação à Copa, a previsão inicial era de um investimento total de 11,9 bilhões de reais em projetos de mobilidade urbana nas doze cidades-sede. Com o fracasso de pelo menos seis projetos, 3 bilhões de reais foram cortados.
6. Combate ao Supérfluo
O governo falava em realizar uma Copa dentro das possibilidades dos brasileiros, sem despesas desnecessárias. Essa cautela, porém, não existiu. O Tribunal de Contas da União (TCU) conseguiu identificar gastos excessivos em obras de mobilidade urbana, estádios, aeroportos, portos e telecomunicações. Sua atuação provocou economia de 600 milhões de reais.
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