quarta-feira, 14 de maio de 2014

ABUSO CONTRA MORADORES DE RUA EM PORTO ALEGRE

ZERO HORA 13/05/2014 | 13h01

Às vésperas da Copa. Vereadores cobram apuração de supostos abusos contra moradores de rua em Porto Alegre. Sem-teto estão com medo de serem expulsos dos lugares onde vivem por causa do Mundial
por Bruna Vargas e Rossana Silva



Moradores de rua se reuniram com autoridades na Câmara de VereadoresFoto: Cristiane Moreira / Câmara de Vereadores


Um grupo de trabalho recém-criado por vereadores e representantes de moradores de rua pedirá o levantamento do número de pessoas em situação de rua vítimas de homicídio em Porto Alegre em 2013. O relatório deve ser obtido pelo cruzamento de dados do Departamento Médico Legal (DML) com os dos 1.347 moradores de rua cadastrados pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc).

A medida foi motivada por denúncias feitas por moradores de rua a vereadores em um encontro na semana passada. Os relatos vão de ameaças e até execuções de moradores de rua. Às vésperas da Copa do Mundo, sem-teto estão com medo de serem expulsos dos lugares onde vivem.Leia também:

Depois de receber as queixas, o grupo de trabalho presidido pelo vereador Alberto Kopittke (PT), que foi secretário da Segurança em Canoas, suspeita que exista uma dupla agindo contra essas pessoas. Na reunião da semana passada, uma testemunha relatou que um homem chegou a fazer roleta russa com uma arma em direção a ela.

Segundo Kopittke, 42 corpos sem identificação não foram requisitados junto ao Departamento Médico Legal (DML) no ano passado. Ainda que isso não signifique que sejam de moradores de rua, ele quer mais informações sobre o que houve com essas pessoas. Por exemplo, se foram mortes naturais ou vítimas de homicídios.

— Há a suspeita de que exista uma dupla de policiais que seriam responsáveis por vários casos de violência e sumiço de moradores de rua. É recorrente. Vários moradores relataram essa situação e estamos pedindo a investigação — afirma Kopittke.

A primeira reunião do grupo de trabalho será realizada na quarta-feira, na Câmara Municipal, e deve propor, ainda, a realização de um curso para que policiais sejam treinados sobre como tratar pessoas em situação de rua.

— A demanda sobre a Copa é que não ocorra a remoção dos moradores de rua nem violência policial, um problema histórico que continua existindo — diz o vereador.

Subcomandante do 9º Batalhão de Polícia Militar, o major Francisco Lannes Vieira afirma que as denúncias serão investigadas. Ele não acredita que haja uma dupla de policiais atuando contra moradores de rua na cidade, como apontam alguns relatos de sem-teto, mas admite que pode haver casos isolados de desvio de conduta.

— Esse não é o procedimento da Brigada Militar. Já tomei algumas providências preliminarmente e comecei a fazer uma investigação. Tem que ser um trabalho calmo e discreto para que não haja represálias, se for mesmo o caso de haver abusos — afirma.

Segundo Vieira, a proposta de treinamento para atendimento a moradores de rua não é uma novidade. O curso é realizado, em duas modalidades (presencial e à distância), por dezenas de militares.

Número de vagas em albergues será ampliado

O presidente da Fasc, Marcelo Soares, afirma que nenhuma medida especial será adotada em relação aos moradores de rua além da ampliação da rede de atendimento devido à Operação Inverno, que deve oferecer 123 novas vagas em albergues a partir do início de junho.

— Nosso dever é o de transmitir tranquilidade e segurança a essas pessoas — diz Soares.

Ele explica que, embora o uso de drogas e o alcoolismo estejam presentes nas ruas, a questão é ampla para ser resumida desta maneira. O perfil de quem vive nas ruas da Capital é diversificado e compreende até uma pequena parcela (0,9%) que concluiu o Ensino Superior — 1,7% têm Ensino Superior incompleto e 7,1% Ensino Médio completo, mas a maioria não completou o Ensino Fundamental (50,5%).

— É um direito das pessoas morarem na rua. Estamos acompanhando vários casos e encontramos características mais complexas do que as apresentadas algum tempo atrás — diz Soares.

O assunto deve ser discutido em uma reunião do Movimento Nacional da População de Rua que ocorrerá essa semana.


Total de vagas da Fasc

Albergues — 355/dia

Centro Pop — 220/dia

Casa de Convivência - 140/dia

Repúblicas — 24/mês

Abrigos para indivíduos (homens e mulheres) - 185/mês

Abrigo de famílias — 50/mês

Idosos de longa permanência — 443/mês

INDICADORES

http://infogr.am/pessoas-em-situacao-de-rua-em-porto-alegre?src=web


Região central de Porto Alegre concentra maior número de moradores de rua da cidade
Na área do bairro Menino Deus, a proximidade com a orla, o Centro Histórico e a presença de áreas comerciais são atrativos para quem luta para sobreviver

por Bruna PorciúnculaAtualizada em 24/01/2014 | 13h05


Nas proximidades do Estádio Olímpico, grupo de homens montou acampamento, onde come, dorme e guarda seus pertencesFoto: Dani Barcellos / Especial


Há pelos menos quatro meses, uma moradora da Rua Oscar Bitencourt, no Menino Deus, viu a frente de sua casa ganhar outra casa. Por ali, um homem apoiou uma lona entre duas árvores, acomodou seus pertences e tomou o espaço como casa. A "vizinha" que acompanhou de camarote a mudança se apieda da condição do homem e também da sua por ter a calçada ocupada por um problema social pelo qual os moradores do bairro tropeçam diariamente há anos e que desponta sob uma nova organização: as pessoas em situação de rua não só circulam pelo bairro como transformam os espaços públicos em endereço.

O caso da Oscar Bitencourt se repete sob o Viaduto Telmo Thompson Flores, no cruzamento da Avenida Praia de Belsa com a Rua José de Alencar. Bruno Kuppes, 30 anos, de Santana do Livramento, e Silvana Maria de Oliveira, 42 anos, de Alvorada, estão há meses sob a estrutura de concreto, onde sobrevivem a custa de doações e dos pouco mais de R$ 70 que Kuppes recebe do Bolsa Família. Não têm perspectivas de sair dali. Adotaram cães, todos esterilizados por protetores de animais, ganham roupas e comida e até já se acostumaram com a barulheira infernal do trânsito.

— A gente vai ficando, até conseguir uma casinha, né? — revela Silvana, quase em tom de oração.

A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) sabe que a região é uma das mais problemáticas quanto à questão da população de rua e, por isso, reforçou as equipes de abordagem nesta área mais central da cidade. A proximidade com a orla e com o Centro Histórico, além da presença de áreas comerciais efervescentes são atrativos para quem luta para sobreviver. Essa realidade também é reforçada pela presença de abrigos na região e pelo próprio acolhimento dos moradores.

— A lógica de quem vive na rua é ficar onde há circulação de pessoas e poder aquisitivo. Na região do Menino Deus, outra característica é a doação de alimentos pelos próprios moradores. A gente vê nas ruas, as pessoas fazem os "macaquinhos", deixam comida em sacolinhas penduradas em árvores ou grades — diz a diretora técnica da Fasc, Marta Borba.


Foto: Arquivo pessoal

Fasc terá de ampliar abrigos


Em 2012, a fundação divulgou os dados de uma pesquisa realizada em dezembro de 2011 sobre a população em situação de rua na cidade. Constatou-se a presença de 1.347 pessoas nas ruas, 144 a mais do que o observado em um estudo feito em 2007 pela UFRGS. O pequeno crescimento revela uma certa estabilidade no tamanho desta população, mas alguns dados, como a presença de famílias inteiras vivendo na rua motivaram o Ministério Público Estadual (MPE) a ingressar, em 2007, com uma ação exigindo a ampliação da rede de assistência a essas pessoas. Em dezembro, a Justiça determinou que fossem criados novos abrigos na Capital.

— O poder público não criou vagas para acolher essas pessoas. O que vinha ocorrendo era só uma reordenação das vagas existentes. Essa sentenção é uma resposta a essa população que sempre ficou marginalizada — avaliou a promotora Liliane Dreyer da Silva Pastorizi, que substituiu, na promotoria de Defesa dos Direitor Humanos de Porto Alegre, Angela Salton Rotuno, que ajuizou a ação sete anos atrás.

A Fasc garante que a ampliação determinada pelo Justiça já estava prevista no Plano Municipal de Enfrentamento à Situação de Rua e que, neste ano, serão criadas duas repúblicas, com 10 vagas cada, um abrigo com capacidade para 60 pessoas e duas casas-lares para idosos, com 10 vagas cada uma.

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