segunda-feira, 24 de março de 2014

TÁTICA DAS CIDADES DA COPA

REVISTA VEJA 01/03/2014 - 16:56

A tática das cidades da Copa contra black blocs

Estados se preparam para tentar combater a ação de vândalos mascarados em protestos durante a Copa do Mundo. Mas falta organização e apoio do governo

Felipe Frazão
























Manifestantes na avenida Paulista em São Paulo (SP), protestando contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, na noite deste sábado (25) - Ivan Pacheco

No último fim de semana, a Polícia Militar de São Paulo testou uma nova tática para coibir a ação de vândalos mascarados que depredam a cidade quando manifestações degeneram em vandalismo: policiais praticantes de artes marciais assumiram a linha de frente da ação – sem armas de fogo. No aspecto tático, a operação foi bem-sucedida – o saldo de destruição se resumiu a duas agências bancárias – e não houve quebra-quebra generalizado, apesar de falhas de comunicação da PM, que acabaram detendo, entre os mais de 260 manifestantes, jornalistas que acompanhavam a passeata contra a realização da Copa do Mundo. No Rio de Janeiro, palco dos mais violentos confrontos – que incluem a trágica morte do cinegrafistaSantiago Andrade, atingido na cabeça por um rojão disparado por um mascarado –, a PM apresentou nesta semana seu protótipo de armadura, apelidado de Robocop. O equipamento de proteção será usado pela tropa de elite para conter black blocs.

Em Brasília, o governo federal, que até hoje tratou de forma tíbia a ação dos vândalos, tentou criar um protocolo padrão de ação das polícias. A articulação ficou a cargo da Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça. O Conselho de Comandantes das PMs entregou um documento para orientar, com diretrizes gerais, a atuação das Tropas de Choque. Na prática, porém, o patrulhamento deve se manter bastante singular em cada cidade-sede do torneio.

As peculiaridades regionais dos protestos não permitem que um padrão de atuação obrigatório seja adotado por todas as PMs do país, avalia o coronel Silanus Serenito de Oliveira Mello, subcomandante-geral da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. “Cada polícia tem a sua característica, não tem como impor uma regra geral. Pelo pacto federativo, cada Estado treina o policial e atua da forma como entender melhor dentro da filosofia da política de segurança de seu governo. Padronizar é impossível”, diz Mello, que coordenou o grupo de comandantes.

A quatro meses do início da Copa do Mundo, quando os holofotes do mundo inteiro estarão direcionados para o Brasil, o governo dá sinais de que ainda busca um modo de evitar danos mais sérios, que podem provocar embaraço internacional para o país. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, leva adiante um projeto de lei da Presidência que limita ações de manifestantes e coíbe mascarados. No dia 11 de março, terá início em Porto Alegre a primeira edição do curso de multiplicadores para oficiais das PMs – com base no guia produzido pelos comandantes-gerais. No retorno às cidades-sede, eles serão os responsáveis por orientar as tropas e definir que meios comuns serão empregados pelos policiais sob seu comando.

Por enquanto, cada PM tem buscado desenvolver um método próprio de intervenção nas manifestações – por vezes adaptado de técnicas internacionais, como o confinamento de manifestantes conhecido como kettling na Europa. O cerco também foi usado no sábado pela primeira vez em São Paulo. O site de VEJA ouviu comandantes e representantes das PMs dos Estados que abrigarão jogos do mundial para mapear como cada força atuará para controlar manifestações de rua durante a Copa. A reportagem não obteve resposta de Brasília (DF), Manaus (AM) e Natal (RN).


Como as PMs brasileiras agem em protestos

As diferentes formações das tropas de segurança das cidades-sede da Copa



SÃO PAULO - A Polícia Militar de São Paulo selecionou cerca de 200 policiais a pé e os treinou em artes marciais – com foco em técnicas de imobilização e projeção ao solo do Jiu-Jitsu. Eles atuaram pela primeira vez no último sábado, quando a PM destacou 2 300 agentes para acompanhar uma manifestação com cerca de 1 300 pessoas. A chamada Companhia de Intervenção caminhou em fila indiana tripla, mesclada aos demais policiais, ao lado dos manifestantes. Essa tropa não portava armas de fogo – apenas cassetetes e escudos, além de capacete. Quando a PM confinou os manifestantes num cerco – sob a justificativa de “evitar” de depredação – os apelidados “ninjas” aplicaram golpes de imobilização (“gravata” e “mata-leão”) para impedir a fuga de mascarados. Jornalistas também levaram golpes. Na retaguarda, a PM paulista manteve a Rocam (policiamento por motocicletas), o Batalhão de Choque e a Força Tática, orientados via rádio e por um helicóptero. Esses batalhões têm equipamentos mais potentes, como bombas de gás lacrimogênio e escopetas calibre 12 para disparo de balas de borracha – além de ônibus. A PM também está comprando quatro caminhões antimotim israelenses.



RIO - A PM do Rio de Janeiro apresentou nesta semana um novo equipamento de proteção para ser usado nos confrontos de protestos de rua pelos 600 homens do Batalhão de Grandes Eventos (BPGE). A armadura no estilo "Robocop" pesa cerca de dez quilos e é mais resistente a impactos – como pedradas e rojões. O equipamento completo tem capacete, colete, ombreiras, joelheiras e protetores nas pernas e nos braços. Ao todo, a PM dispõe de 200 armaduras para o BPGE. A Tropa de Choque já tinha protetores semelhantes. As duas forças atuam com armas de baixa letalidade, como bombas de gás lacrimogêneo, granadas de luz e som, disparos de bala de borracha e pistolas Taser (de choque elétrico). A PM do Rio também já mobilizou a cavalaria e blindados para conter black blocs, no auge dos protestos de junho do ano passado. Eles atuam a distância e atacam em formações de conjunto. A corporação dispõe também de um caminhão que dispara jatos de água. E está reforçando treinamento em artes marciais.



PORTO ALEGRE - A Brigada Militar do Rio Grande do Sul adota a técnica de policiamento a distância – orientação diferente da que vem sendo usada, por exemplo, em São Paulo. Para evitar “provocações” de mascarados, o comando-geral da Brigada Militar mantém os policiais afastados, sem caminhar em fila ao redor dos manifestantes – como uma “moldura”. "Evitamos o contato da tropa com manifestantes. Nossa meta é preservar a integridade física de manifestantes e policiais. A reação de um policial que se sente ameaçado é mais violenta”, diz o subcomandante-geral, coronel Silanus Serenito de Oliveira Mello. “As manifestações cresceram demais. Quando se trabalha com proximidade, acompanhando a marcha, é preciso um efetivo grande e não é possível usar bombas não letais para dispersão. A distância, não se consegue conter depredações e pichações, mas avaliamos que esses são crimes leves e que o dano provocado por entrar no meio da multidão para prender o manifestante que depreda é grande, muitas pessoas pacíficas podem se ferir. O mal que vamos provocar é muito maior do que o dano que ele provocou." Também não há plano de se criar um pelotão especializado em artes marciais. Até maio, a Brigada reforçará o treinamento em Controle de Distúrbios Civis das tropas já especializadas. A Brigada Militar dividiu os policiais em dois grandes batalhões: o Batalhão Copa fará a segurança do nos perímetros da Fifa (Estádio da Beira Rio e Fan Fest, pontos turísticos, aeroportos e estações rodoviárias) e o Batalhão Especial de Pronto Emprego, com cerca de 2 000 homens, será destinado exclusivamente aos protestos violentos. O Batalhão de Pronto Emprego reunirá o Choque, pelotões de Operações Especiais e regimentos de Cavalaria – com reforço vindo do interior do Estado. Um terceiro efetivo de reserva atuará nas ocorrências de Porto Alegre.



MINAS GERAIS - O Comando de Policiamento Especializado (CPE) de Minas Gerais centralizará as ações de segurança para protestos em jogos da Copa do Mundo. O CPE da Polícia Militar mineira adquiriu granadas de borracha com tinta em gel para arremessar na direção de vândalos. Quando o artefato explode, a emulsão vermelha gruda na roupa e na pele dos mascarados. O Grupamento de Ações Táticas Especiais (GATE) pode, assim, entrar na multidão para capturar com técnicas de imobilização os vândalos manchados pela tinta. A ação é amparada por câmeras de alta resolução ligadas a centrais de monitoramento e a um helicóptero equipado com uma câmera de alta capacidade de alcance. Inspirada na polícia francesa, que estabelece perímetros para manifestações, a PM de Minas usa desde o ano passado carros de som para orientar manifestantes até onde é permitido marchar; e depois para se afastarem de black blocs. “Quando acontece a quebra da ordem, nós avisamos: ‘atenção pessoas de bem, afastem-se existem criminosos no meio de vocês. A Polícia Militar vai agir. Essa estratégia legitima [a intervenção]”, explica o major Gilmar Luciano. A PM mineira está preparando um curso de defesa pessoal para jornalistas que cobrem manifestações. O curso começará após o Carnaval. O objetivo é orientar os profissionais de imprensa a como se proteger durante os protestos. A PM também criou um Batalhão Copa, integrado por policiais em formação nas academias de polícia, futuros oficiais e sargentos. Os PMs de Minas têm treinamento em AiKiDo, combinados com uso de cassetetes para defesa contra pauladas, pedradas e outras agressões.



SALVADOR - A Polícia Militar da Bahia avalia adotar a tática da PM paulista e criar uma Companhia de Intervenção com policiais desarmados e especializados em artes marciais, segundo o coronel Gilson Santiago Messias, diretor do Departamento de Comunicação Social. "Qualquer técnica não letal é válida. A imobilização é extremamente importante, porque evita consequências mais graves, e serve como mais etapa no processo de persuasão”, diz Santiago. “Estamos fazendo avalições e estudos para adotar essa técnica, mas ainda não temos nada de concreto." A PM baiana deve começar a cuidar do planejamento específico da Copa do Mundo, que envolve o Estádio da Fonte Nova, concentrações e centros de treinamento de seleções, somente depois da operação do Carnaval. Ele explica que a PM adota na Bahia a doutrina americana de negociação, inclusive com carros de som. O Batalhão de Choque atua apenas na retaguarda, numa terceira linha de contenção dos protestos. A primeira linha, mais próxima à passeata, é composta pelo policiamento ordinário, que acompanha a caminhada dos manifestantes. Na segunda linha, vêm os policiais do Batalhão de Eventos, uma força superior que se posiciona de forma transversal à marcha e entra em ação para “impedir a progressão”, com bastões e escudos antitumulto. Para o Choque e a Companhia de Operações Especiais serem acionados e dispararem munição química e balas de borracha, “é preciso que as tentativas de negociação tenham sido vencidas”, diz Santiago.


CURITIBA - O comandante do 1º Comando Regional (Curitiba) da Polícia Militar do Paraná, coronel Milton Isack Fadel Jr, diz que a corporação realocar policiais do interior para a capital paranaense durante o mundial. Fadel, que também coordena as ações para a Copa, disse que Curitba já recebeu um Centro Integrado de Controle Móvel – caminhão que recebe imagens de câmeras – e que deve receber um caminhão para disparo de jatos d’água do governo federal. Em Curitiba, o policiamento de manifestações é feito com a ROTAM e a tropa especializada em distúrbios civis. “Passamos desde junho por um processo de amadurecimento bem interessante no contato entre a polícia e manifestantes. Inicialmente não colocávamos policias ostensivos, à vista deles, porque alguns queriam justamente procurar os policiais fardados para criar um fato [provocar]. Usávamos policiais à paisana, da inteligência, e a tropa acompanhava de longe. No último momento, normalmente ao cair da noite quando manifestantes pacíficos já tinham abandonado o protesto e só restavam os beligerantes, as tropas de controle entravam.” Segundo o comandante, os grupos de black blocs curitibanos foram monitorados, inclusive com da inteligência policial de outros Estados. Ele descarta, por enquanto, adoção de pelotões especializados em artes marciais: "A técnica de controle de distúrbios civis deu conta e não houve necessidade de incrementar".



RECIFE - A Polícia Militar de Pernambuco informou que a tropa destacada para atuação nos protestos durante a Copa do Mundo será o Batalhão de Choque (BPChoque). A corporação disse que não pode divulgar o tamanho do efetivo. Segundo a PM, os policiais do Choque já possuem os equipamentos de defesa e armamento menos letal para aplicação durante o torneio. O Choque costuma intervir em manifestação no centro de Recife com disparos de bala de borracha, bombás de gás e spray de pimenta, adotando técnicas de evolução e avanço em grupo, sob a proteção de escudos.



CUIABÁ - A Polícia Militar do Mato Grosso possui 480 agentes capacitados para atuar com policiamento de Choque. Eles integram o Batalhão de Força Tática (ROTAM) e o Regimento de Policiamento Montado (RPMon). Os policiais de Operações Especiais recebem, segundo o tenente coronel Paulo Ferreira Serbija Filho, treinamento contínuo com foco em Jiu-Jistu e Judô. O oficial explicou que os protestos em Cuiabá chegaram a pequenos confrontos e atos de depredação – que precisaram do emprego da Tropa de Choque e do policiamento ordinário. Segundo Serbija, os policiais só fazem disparos de bala de borracha e de bombas de gás para dispersão dos protestos após adotarem um padrão de ação: mediação por diálogo, demonstração de força e manobras da tropa para cerco ou retirada de infratores. A Secretaria de Segurança Pública do Estado afirmou que já recebeu dois Centros de Comando e Controle Móveis, aposta tecnológica do governo federal, e uma das três Plataformas de Observação Elevada previstas. “Ainda serão entregues um conjunto de captção de imagens aéreas (câmeras que serão acopladas aos quatro helicópteros da SSP) e equipamentos antibomba”, disse a secretaria.



FORTALEZA - A Polícia Militar do Ceará possui uma Companhia de Controle de Distúrbios Civis (CDC), dentro do Batalhão de Choque, para controlar atos de vandalismo em manifestações. Segundo o tenente coronel Fernando Albano, chefe da assessoria de comunicação da PM cearense, a adoção de técnicas baseadas em artes marciais ainda não foi discutida no comando-geral, “mas os policiais passam por constante processo de capacitação”. Segundo Albano, a PM desenvolveu uma tropa para atuar à paisana, em parceria com o setor de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. O objetivo é a identificação de possíveis baderneiros nos protestos. O oficial explica que a polícia já possui uma reserva técnica de armamentos não letais (bombas de gás e de som e luz, por exemplo) para protestos ao longo de 2014. "Esperamos não utilizá-los, não estamos nos preparando para uma guerra. São medidas preventivas, mas esperamos, de coração, não usar”, disse Albano. "Obedecemos aos ditames constitucionais e usamos meios moderados dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade".



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