sábado, 1 de fevereiro de 2014

O RISCO COPA



REVISTA ÉPOCA, 31/01/2014 20h57

Confrontos em protestos, obras pela metade e custos que assustam turistas. O Mundial de 2014 enfrenta ameaças graves – e exige um esforço final que garanta uma festa cativante e segura

LEOPOLDO MATEUS, RAPHAEL GOMIDE, RODRIGO TURRER E VINICIUS GORCZESKI, COM LEANDRO LOYOLA, FLÁVIA TAVARES E ALINE IMERCIO




>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:

O suíço Joseph Blatter, presidente da Fifa, estava desconfiado desde o início. No dia 30 de outubro de 2007, ao anunciar o Brasil como sede da Copa de 2014, ele disse: “O Comitê Executivo decidiu, unanimamente, dar a responsabilidade, não apenas o direito, mas a responsabilidade de organizar a Copa de 2014 ao Brasil”. Responsabilidade. A palavra nunca aparecera em anúncios anteriores. “A Copa do Mundo de 2010 será organizada na África do Sul”, disse Blatter ao abrir o envelope em maio de 2004. “O vencedor é a Alemanha”, afirmou, em julho de 2000. Para 2014, não houve disputa. A Fifa criara um rodízio entre continentes, hoje abandonado, e era a vez da América do Sul. Como único candidato, o Brasil recebeu a Copa com pouco esforço – e Blatter quis dizer, para o mundo ouvir, que os brasileiros tinham obrigação de realizar um bom trabalho. Semanas atrás, ele afirmou: “O Brasil é o país com mais atrasos desde que estou na Fifa”.

A impaciência parece justificada. Blatter lembrou que o Brasil foi o único a ter sete anos para organizar a Copa do Mundo. A Alemanha e a África do Sul tiveram seis. A Fifa também não queria uma Copa tão complexa como a que o Brasil decidiu organizar. Preferia um torneio com dez cidades sedes, como fez a África do Sul. Em 1994, os Estados Unidos fizeram sua Copa em nove cidades. O governo brasileiro insistiu em realizar um Mundial com 12 sedes – mesmo número da Alemanha em 2006 –, com logística mais complexa e gastos mais vultosos. Nos últimos anos, o custo do Mundial subiu de forma escandalosa. A previsão inicial de gastos era de R$ 17 bilhões. Em junho último, o Grupo Executivo da Copa do Mundo (Gecopa) atualizou o total para R$ 28 bilhões e anteviu um acréscimo de ao menos R$ 5 bilhões até a bola rolar – um total de R$ 33 bilhões. Dessa quantia, a União será responsável por 85,5%, e o setor privado por 14,5% – cerca de R$ 4,7 bilhões. Em 2007, em Zurique, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmara: “Tudo será bancado pela iniciativa privada”.

A apenas quatro meses do início do Mundial, as cidades brasileiras deveriam estar coloridas com as cores do Mundial. Banners, bandeiras, Brazucas e Fulecos gigantes deveriam já alimentar um clima festivo no país. Em vez disso, o Brasil segue tomado pela dúvida sobre sua capacidade de organizar a Copa de forma satisfatória. Na semana passada, as inquietações foram estampadas na capa da tradicional revista francesa France Football, com a manchete “Medo sobre o Mundial”. Para a publicação, a Copa tornou-se uma “fonte de angústia”. A presidente Dilma Rousseff repete que o Brasil fará “a Copa das Copas”. Apesar das dificuldades, isso ainda é possível. Poucos países desejaram tanto receber o Mundial de futebol quanto o Brasil, e os ingredientes necessários para uma competição profissional, cativante e histórica continuam presentes. Para realizá-la, será preciso superar as várias ameaças e desafios que cresceram nos últimos anos. ÉPOCA relaciona na reportagem de capa desta semana os principais riscos.


24/01/2014

Copa do Mundo: vai ou não vai?

Manifestantes marcam protesto contra o Mundial para o próximo sábado. Enquanto isso, governo cria uma equipe só para lidar com movimentos sociais e mobilizações na Copa

BRUNO CALIXTO



Cartaz em São Paulo convoca manifestantes para um protesto contra a Copa do Mundo (à esq.) e imagem publicada na página do Facebook do PT defende a Copa do Mundo no Brasil (Fotos: ÉPOCA e Reprodução)

Se você tem amigos que gostam de discutir política nas redes sociais, já deve ter se deparado com essas hashtags. Pessoas descontentes com os elevados gastos nos estádios da Copa do Mundo, com os atrasos em obras e as controvérsias envolvendo o Mundial se manifestaram, na última semana, com a frase "Não vai ter Copa". Os que defendem a organização do Brasil para o torneio retrucam: "vai ter Copa". No ano da Copa do Mundo do Brasil, a internet se tornou novo palco da disputa entre governistas e manifestantes sobre a forma como o Brasil organiza o torneio.


A mobilização nas redes começou com a reclamação de usuários, transformou-se em um "tuitaço" - quando várias pessoas fazem comentários com o mesmo tema no Twitter para chamar a atenção sobre um assunto - e, nesta quinta-feira (23), chegou à porta (virtual) da polícia, quando ativistas anônimos invadiram os perfis oficiais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e da Secretaria de Segurança do Rio. "E só para lembrar... #nãovaitercopa! Tchau, até logo.", escreveram os ativistas.

Essa movimentação nas redes não passa despercebida pelas autoridades. O governo federal está de olho nas mobilizações que acontecem nas redes sociais, e pretende colocar o time em campo para defender a Copa do Mundo. Os primeiros movimentos táticos já foram feitos neste começo de ano. No dia 9 de janeiro, o Diário Oficial da União publicou um decreto que remaneja dois funcionários para a Secretaria-Geral da Presidência da República, com o objetivo de "promoção do diálogo por ocasião da Copa do Mundo FIFA 2014". ÉPOCA apurou que não são apenas esses dois servidores os convocados para essa missão. Eles farão parte de uma equipe maior, criada exclusivamente para acompanhar os protestos relacionados à Copa e dialogar com os movimentos sociais.

O perfil do PT no Facebook também entrou no jogo. No dia 12 de janeiro, a equipe de redes sociais do partido publicou uma foto com uma imagem de torcedores no fundo e o desenho de um jogador de futebol. "Tá combinado. Uma boa semana para todos que torcem pelo Brasil. #VaiTerCopa", diz a mensagem do partido (confira imagem abaixo). O post, com mais de 700 compartilhamentos, teve mais de mil comentários, entre críticas ("Ok, mas #VaiTerEducação?") e apoio ao partido ("O que não vai ter é segundo turno") por parte dos usuários do Facebook. O partido voltou ao assunto dias depois, com a frase "Copa das Copas", usada pela presidente Dilma Rousseff em seu discurso no sorteio do mundial, em dezembro do ano passado. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no entanto, o vice-presidente do partido, Alberto Cantalice, disse que a ideia não foi "fazer resistência à movimentação popular".

O primeiro grande teste para o governo está programado para o sábado (25). Várias manifestações estão sendo organizadas nas redes sociais, com o título "Primeiro grande ato em 2014 contra a Copa", nas principais cidades do país. Para o ato em São Paulo, até o fechamento desta reportagem, já havia 22 mil pessoas confirmadas pelo Facebook. Como vimos em manifestações passadas, no entanto, esse número não costuma ser o mesmo do de manifestantes que comparecem ao local. Ainda não é possível dizer se a mobilização terá sucesso.

O diálogo proposto pelo governo pode não ser fácil. Assim como aconteceu nas manifestações de junho de 2013, as mobilizações estão sendo marcadas na internet, de forma descentralizada e sem uma organização à frente. Mas alguns movimentos sociais que atuam na questão da Copa estão dispostos a negociar. A Articulação Nacional da Copa (Ancop) é uma delas. Segundo Larissa da Silva Araújo, do comitê do Distrito Federal da Ancop, os movimentos sociais têm várias demandas para cobrar do governo, caso sejam convidados para o diálogo.

Os temas mais urgentes cobrados são sobre as remoções por conta das obras da Copa, a criminalização de movimentos durante manifestações e a criação de um plano de combate à exploração sexual de crianças. Mas Larissa não descarta a possibilidade das manifestações impedir, de alguma forma, o mais importante torneio de futebol do mundo. "'Não vai ter Copa' representa os anseios do povo em relação a um megaevento que promete um legado, mas não o cumpre. Não é possível saber se vai ou não ter Copa, depende da conjuntura política do momento, da manifestação e articulação popular e muita pressão".

Mesmo com a mobilização nas redes sociais, tudo indica que "vai ter Copa" – o que não quer dizer que a turma do "não vai ter Copa" sairá derrotada. Como aconteceu na Copa das Confederações no ano passado – o evento teste da Fifa para a Copa do Mundo –, o Mundial deve ocorrer em clima de festa para uns e de protestos para outros. E manifestar a opinião faz parte do jogo.

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